Nossas vidas se separaram. Mudamos de rumo, de interesses, de atrativos pessoais. Nossas vidas se separaram apesar de eu ainda chorar o fim. Em sintonia com o ranger da cadeira, pensei em abusar da minha sorte. Com boa vontade e satisfação plena, me encontrei em seu leito de morte. O fim encontrando, pela primeira vez, o início de algo escasso. Vivendo na insanidade e insensatez, abrindo os braços para mais um palhaço. Nariz vermelho e tinta a cobrir as imperfeições de um rosto velho. Sempre sorrindo, rindo, se divertindo, nunca quiseram saber se ele chorava. Perdeu a vida inteira procurando um horizonte para nele fixar seu olhar vazio, complexo, sadio.
Insano, sadio. Os planos são os mesmos... Procurou adormecer nos braços de quem se sentiu amado por dois ou três dias. Nas trevas, a luz; luz serena de um novo dia. O Palhaço procurava abrigo nas montanhas, longe da inocência das crianças que riam de cada tombo seu e de ver sua face no chão. Comer poeira não era somente força de expressão.
E quando sua maquiagem borrava, a tinta branca se misturava ao nada e dali uma gota alva saía. Era dor, sentimento inexpressado, era tinta de modo mal passado. A arte de um palhaço que não sabia se pintar. Mas o Palhaço não desistia; queria ver flores, queria ver dia, ele queria ver algo que não podia. Palhaços não enxergam a realidade, era o que todo mundo dizia.
E tudo que é proibido, aquele palhaço fazia. Chorava, tremia, se entristecia. Quando ninguém o assistia, o Palhaço também dormia.
Porém chegou o dia de o Palhaço fazer algo do qual ninguém ria: dormir e não mais acordar.
Pela primeira vez, alguém havia soluçado ao ver o Palhaço. Pela primeira vez, alguém viu sua maquiagem perfeita se desmanchar em sua face. Pela primeira vez, alguém viu que o Palhaço também fazia aniversário, viram suas rugas e seu triste semblante livre da gargalhada da criançada. E foi pela primeira vez que as lonas do circo não modificaram a tonalidade de sua pele...
Nossas vidas se separaram. Mudamos de rumo, de interesses, de atrativos pessoais. Nossas vidas se separaram apesar de eu ainda chorar o fim.
Nossas vidas... a minha, a do Palhaço e a de toda aquela gente que ria sem saber bem do que. E então, a população soluçou. Mais uma vez...
Pela última vez.
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